quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Contos que me Permitiram Contar - Rita

por Flávia Fernandes


Ela deitou cedo. Havia decidido deixar o relógio em casa quando partiu para esses dias de férias no campo e não tinha a menor noção do horário, mas sabia que ainda era cedo.

Queria descansar e aproveitar o clima bom, o frescor da manhã, a brisa, o cheiro do mato. Queria também conversar com Deus. Tinha em sua cabeça que o melhor horário para conversar com Ele era bem cedinho, no início do alvorecer, pois nesse horário, muitos ainda dormem e os que madrugam, estão entre suas tarefas matinais, então, Deus estaria menos ocupado e ouvindo menos chamados.

Claro que isso tudo era apenas a forma como ela tocava sua vida, pois tinha a consciência de que, quando anoitece em um lugar, em outro deste imenso planeta, o dia está amanhecendo, mas confortava seu coração pensar dessa forma.

Foi dormir com o coração em paz, embora estivesse bastante cansada de sua luta. Tentando vencer um câncer há seis anos, fora abandonada pelo marido na metade deste tempo e desde então, enfrentava uma batalha atrás da outra, sempre perdendo algo, mas jamais a fé ou a esperança de que venceria no momento certo.

Rita decidira passar umas férias na casa de campo que uns amigos lhe ofereceram, no intervalo do tratamento entre uma quimioterapia e outra, para se recuperar do choque, depois de ter ouvido da equipe médica que seu caso já não havia mais solução para a medicina e que só um milagre para curá-la.

Completamente sozinha, com a família distante e um casamento que não gerou frutos, restou-lhe o aconchego dos amigos e a fé que este milagre realmente aconteceria, somado ao tratamento que não seria interrompido. Por este motivo, ela aceitou o convite dos amigos e lá se foi refugiar-se em um pequeno sítio, com muito conforto, mas sem perder a beleza do campo.

Sentia dores quando se deitou e pediu a Deus que lhe permitisse suportá-las até a próxima manhã e como sempre fizera, agradeceu ao dia que se passou e entregou o próximo em Suas mãos.

Ela acordou com os primeiros raios da manhã batendo em sua janela e o som dos pássaros cantando felizes, anunciando que o novo dia chegara.

Havia em si uma paz absolutamente inexplicável e uma sensação de que todo seu sofrimento, por fim, estava abreviado. Não havia dor, não havia medo, apenas uma paz que inundara seu espírito.

Após alguns minutos, Rita abriu os olhos e se deu conta de que não estava em seu quarto, que aquela não era a sua cama e o céu, que podia avistar da janela ao lado, era de um azul jamais observado em todos os seus anos de vida. O frescor da manhã que timidamente circulava entre seus aposentos e o aroma que as flores do lado de fora exalavam, deixou-a bastante confusa, mas a sensação que estava vivendo naquele instante era diferente de tudo o que já havia sentido em toda sua vida.

Ainda sem entender direito o que estava acontecendo, tratou de fechar os olhos e agradecer a Deus, qualquer que fosse aquele motivo, mas que lhe trouxera tanta paz e as dores, sumidas completamente.

Num misto de receio e curiosidade, resolveu levantar-se para saber afinal, que lugar maravilhoso era aquele.

Quando enfim, sentou-se na cama, ouviu o toque na porta e avistou um rapaz que trazia consigo um sorriso quase angelical. Todo o ambiente iluminou-se e no ar, um perfume suave e delicioso.

Apresentou-se como Apolônio e que era responsável por cuidar dela naqueles dias em que estava passando por um tratamento especial. Sem entender nada, Rita perguntou-lhe o que havia acontecido e o motivo pelo qual estava naquele lugar. Quis saber se durante o sono teve algum problema que precisou ser encaminhada a algum hospital, pois não se lembrava de nada. Perguntou-lhe por quanto tempo estivera desacordada e agradeceu-lhe o fato de estar disposta, animada, sem dores e feliz.

As perguntas eram muitas e o rapaz ainda não tivera a chance de responder-lhe, tamanha a curiosidade de Rita.

Foi então que ela percebeu a educação do rapaz aguardando que terminasse todas as indagações e deixou que ele, finalmente, pudesse responder seus questionamentos.

Apolônio, com toda a tranqüilidade e equilíbrio que transmitia, explicou-lhe que durante o sono, tivera complicações de saúde devido à doença e que seu corpo, bastante frágil, não suportou e ele, junto com uma grande equipe espiritual, foi buscá-la. Que aquele ali era um hospital espiritual e que ela, já não mais fazia parte do mundo dos encarnados.

Disse-lhe que todo o sofrimento físico já não lhe pertencia mais e que agora, ali era sua nova morada. Que não se preocupasse com nada, pois havia muitos amigos por perto e estaria sob os cuidados daqueles que a acompanharam em sua jornada terrena, dando-lhe auxílio nas horas difíceis e recebendo dela, o carinho através de suas preces.

Talvez pra ela, não fosse tão simples a compreensão dos acontecimentos, mas por outro lado, a sensação é de que tudo fosse mais real do que pudesse imaginar já que, nesses anos todos em que lutara contra a doença, foram nas leituras de livros espíritas, onde ela encontrou mais alento e também, um lenitivo pra sua dor.

Hoje, pouco mais de um ano de sua passagem, Rita é um espírito aprendiz e de muita luz. Trabalha numa equipe que auxilia irmãos no hospital do câncer e agradece a Deus todos os dias, pelo aprendizado e as novas oportunidades.

Rita está feliz, aprendendo cada dia mais e podendo colaborar com os irmãos em sofrimento e de tudo isso, ficou o entendimento de que a prece, o amor ao próximo e a caridade são o melhor remédio contra qualquer dor ou doença e que, quando doamos o melhor de nós pra alguém, o maior beneficiário, sem dúvida alguma, somos nós mesmos.

Que Deus abençoe a Rita, ao Apolônio, à equipe espiritual e todos aqueles que se dispõe a fazer algo em benefício do próximo.